terça-feira, 2 de agosto de 2011

PROJETO GENOMA HUMANO: AVANÇO CIENTÍFICO, GANÂNCIA E PODER.

Aos queridos alunos do 3º ano do ensino médio...

Quero compartilhar com vocês alunos, uma reportagem na íntegra (nada recente, mas importante!) da revista Veja de uma época em que o Projeto Genoma Humano, financiado pelo governo dos EUA estava prestes a ser concluído e muita "briga" ocorria pelo reconhecimento, poder e os créditos por tão importante trabalho. Conheçam um pouco mais sobre os cientistas envolvidos, de que tanto falo em aula.
A ciência é linda, mas ainda falta ética para lidar com ela, pois os interesses particulares passam por cima do conhecimento que deveria ficar para a humanidade, ao alcance de todos. Os avanços no campo da genética deveriam ser conquista de toda a humanidade e não um monopólio na mão de poucos.



Edição 1620 de 20/10/1999.
Briga de gênios

Disputa para decifrar código genético envolve dólares, tecnologia sofisticada e egos inflados

Ricardo Villela

Uma corrida emocionante está sendo travada no meio científico mundial. Ela envolve universidades de ponta, ganhadores do Prêmio Nobel, financiadores de pesquisa, multinacionais farmacêuticas. E egos fenomenais. Em jogo, está a glória de ser o primeiro a decifrar o código genético do homem, o chamado genoma humano. Para isso, dois grupos rivais estão investindo um total de 3,5 bilhões de dólares. De um lado, está o Projeto Genoma Humano, um consórcio financiado pelo governo americano por intermédio do Instituto Nacional de Saúde, NIH, pelas melhores universidades dos Estados Unidos e por laboratórios na Inglaterra, Alemanha e Japão. Do outro, está a empresa privada Celera Genomics, dirigida pelo californiano Craig Venter, enfant terrible do mundo científico que prometeu fazer o mesmo serviço do consórcio público em um quinto do tempo e com um sexto do orçamento. Para isso, está montando o segundo maior conglomerado de computadores do mundo, com capacidade inferior apenas à da supermáquina do Departamento de Energia americano, que simula explosões nucleares. Quando o projeto de Venter foi anunciado, em maio de 1998, os cientistas do consórcio público fizeram pouco caso. "O genoma de Venter vai ser incompleto e impreciso", vaticinou Francis Collins, um dos diretores do Projeto Genoma Humano. "Daqui a três anos, um de nós vai parecer um perfeito idiota", rebateu Venter.

Tão deselegante troca de farpas encontra explicação na importância que essa empreitada tem para o mundo da biologia, da genética e da medicina. É no genoma que estão todas as instruções de funcionamento do organismo humano. Da cor dos olhos ao formato das mãos, tudo está ali, espalhado por cerca de 100.000 genes. Cada gene é formado por uma seqüência de substâncias chamadas bases, que podem ser de quatro tipos. Combinadas, chegam a 3 bilhões no genoma humano. Vence a corrida genética quem primeiro descobrir a seqüência exata em que elas aparecem em cada um dos genes do homem. É um trabalho hercúleo. Se fosse publicado em papel, seriam necessários 7.500 livros de 200 páginas para listar a seqüência inteira. Mas a descoberta é valiosa. Uma vez conhecido o genoma humano, ficará mais fácil identificar o conjunto de genes responsável por cada característica, e a partir daí a forma de lidar com as doenças vai passar por uma revolução. A medicina deixará a fase de detectar e tratar e entrará na era de prever e prevenir. Os médicos cuidarão de doenças da mesma maneira que os engenheiros de software consertam programas de computadores: eliminando as linhas defeituosas. "O genoma humano será para a biologia o que a tabela periódica é para os químicos", compara o biólogo brasileiro Fernando Reinach, um dos responsáveis pelo seqüenciamento do genoma da Xyllela fastidiosa, bactéria que ataca a laranja.

Sem bafo na nuca – Até o ano passado, quando ainda era o único a enfrentar o desafio, o Projeto Genoma Humano funcionava como uma estatal nos tempos de Brasil fechado. Formado em 1990 com um orçamento de 3 bilhões de dólares e a promessa de terminar o serviço em quinze anos, não sentia o bafo da concorrência na nuca. Não precisava apressar-se. A criação da Celera Genomics, em maio de 1998, mudou o cenário. Para começar, sacudiu a opinião pública com um questionamento muito razoável. Se uma empresa privada está investindo para decifrar o código genético humano, por que o contribuinte americano também deveria pagar? Os integrantes do consórcio público responderam que a Celera pretendia trancafiar em patentes trechos de DNA, o que impediria outros cientistas de trabalhar. Depois, começaram a apressar o próprio cronograma. Para competir com o compromisso da Celera de publicar o genoma em 2001, anteciparam o fim do trabalho para 2003 e prometeram um rascunho em 2001. No início do ano, anunciaram uma versão do genoma com metade dos genes humanos para o primeiro semestre do ano 2000.

Boa parte da antipatia despertada pela Celera nos cientistas do Projeto Genoma Humano está na personalidade agressiva de Craig Venter. Ex-surfista da Califórnia, Venter foi enfermeiro da Marinha no desenrolar da Guerra do Vietnã e atendeu jovens destroçados durante a ofensiva do Tet. Depois, trabalhou como pesquisador pago pelo governo americano antes de se tornar milionário com dinheiro de um investidor privado que acreditou em suas propostas. É o cientista que mais códigos genéticos descreveu no mundo. Depois de decifrar o genoma humano, Venter pretende debruçar-se sobre o DNA do rato, do arroz e de outras 1.000 espécies importantes. Vai montar uma base de dados biomédica e agrícola com informações sobre onde está cada gene e o que ele faz numa descrição minuciosa do funcionamento de vários organismos. "Será uma base de dados tão fundamental para biólogos e médicos quanto as agências de notícias são para o mundo financeiro", compara. Antes disso, terá de superar a ira de cientistas como James Watson, prêmio Nobel de Medicina de 1962 e ex-diretor do Projeto Genoma Humano. Perguntado certa vez sobre o que achava de uma técnica desenvolvida pelo rival para seqüenciamento de DNA, Watson perdeu a classe: "Qualquer macaco poderia fazer um trabalho desses". Venter está sonhando com a vingança final.

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